MA-106

Tenho escrito poemas porque é a forma mais fácil de organizar meus pensamentos desconexos. Do ano passado pra cá não tenho conseguido continuar uma mísera história, com raras exceções das de ficção. Sinto que os únicos pontos que me permitem seguir são os que minha tia dava no crochê e pontuavam a estrada à nossa frente, quando eu tinha sete anos. Fiz do emaranhado doce de lã, molhado se suor, o meu travesseiro. Aprendi ser palavra que ia pintada na carga do caminhão - LIVRE. Quando senti o gosto de sal que não era do mar, separei as sílabas da saudade pela primeira vez. A estrada é a única narrativa que eu tenho conseguido continuar. Meus amores só vingam fotos meu no HD. Escolhi não recortar alguns capítulos de mim e reescrever memórias que ainda nem aconteceram a troco do cheiro, do calor, da incerteza do primeiro amor, que é vagar. A estrada nunca exigiu que eu pensasse, que fosse madura. Ela nunca se iludiu com a minha voz bem impostada. Hoje estou sorrindo da solidão como um pastor que conta as ofertas do culto dominical. Sempre que as minhas retinas de fecham para captar o indescritível, vejo as linhas do rosto de Deus e encontro os anjos que regam as flores amarelas da MA-106, os mesmos que não me deixaram derrapar enquanto aprendia a dirigir à 120km/hr, não deixaram de guiar meus olhos escuros, cor de asfalto.

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