A Saudade de Jorge
Abriu os olhos,
visualizou as mensagens do celular e preferiu dormir de novo. Jorge era um cara que se incomodava, então mesmo que a resposta fosse recíproca e não apenas
educação, não seria suficiente pra impedir que ele pensasse demais. Dramatizava
em silêncio sempre que pegava a lâmina para rasgar o peito e fazer ir embora as coisas ruins, mas acabava por
fazer apenas a barba, da mesma forma que não não iria responder o que realmente pensava
sobre a mensagem que acabara de ler. A mensagem: “Saudades de vc.” Às 01: 10 da madrugada.
Mas pensava que há quem lide com saudade como quem trata de comida. Gente que é como um bolo de aniversário que mesmo grande, foi divido tantas vezes que aquele resquício de doce se tornou amargo diante da imensa vontade de comer que permaneceu. Há quem ofereça saudade como quem oferece brigadeiro - um olhar convidador e um tom de voz oscilando entre advertência e pecado - aperitivos que não costumam ser rejeitados.
Há quem tenha por
saudade o seu prato principal, desses que exigem caminhada diária, lenta e
curta, só para tirar o peso da consciência por gostar tanto do que não deveria.
E os que preferem o abuso, a exaustão, onde o ápice e dormir e sonhar com suas respectivas saudades. Há quem misture as coisas, e digo mais, acho que essas
pessoas são felizes de fato, já que em seus pratos não se consegue discernir a dor física da emocional, onde a única opção é acreditar que os mais variados sentimentos
colorem o mundo de uma forma que não conseguem exprimir. Comem caladas e com
fé.
E os metódicos, que
separam a comida, não misturam nada. Separam bem as suas vidas, dando a cada
parte a intensidade, a atenção e as pessoas que merece. Isolam os fatos e dizem que uma coisa não influencia
a outra. Para esses eu proponho um calculo medíocre sobre a vida: se a ordem
dos fatores não altera o resultado, o resultado disso será igualado à zero uma vez que, não há o que somar.
Jorge franziu a
sobrancelha enquanto acrescentava a mensagem aos ingredientes pensados. Sabia que essa mensagem não representaria nada para as pessoas que assim como ele, não cabem em definições, não exalam falsa simpatia, que não omitem sua preferência política. Que acreditam que ainda há quem
ame sem cuidados, sem pesquisa, sem estatísticas sobre dores passadas. Que há quem
ouça, mesmo sabendo que quando o coração palpita o impulso é mais poderoso do
que palavras premeditadas. Nas pessoas que regam mesmo quando a mangueira não
leva até onde se quer. Comer é ingerir, necessidade, prazer! E nas que se encantam com as raízes paleolíticas, das pessoas que não evoluíram ao ponto de conviver com o
que as mata. Porque saudade não é comida. É fome, é caça!
Mesmo assim, Jorge
respondeu: “Eu tbm, bom dia!”
Porque se respondesse
que ele precisava apenas de um café e um pão de queijo, diriam por ai que ele é
frio.
Foto: Túlio Tsuji
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