O Bom Samaritano

Semana que vem faz um ano. A segunda-feira batia forte em mim que dormia muito bem obrigada na calçada de uma escola na cidade de Vitória do Mearim- MA. A viagem tinha sido uma lindeza. Acordei com um homem olhando pra mim, mais com pena do que assustado. Perguntou por que a gente não tinha procurado ajuda. Moço, a gente procurou. Carreguei o celular na casa de uma mulher que tava passeando por aqui de madrugada. Enquanto eu tentava fazer o celular funcionar ela procurava qualquer coisa dentro de casa pra trocar por uma pedra. Viramos confidentes. Ela me deu ordens. Disse que enquanto ela não voltasse era pra eu olhar as crianças e, se meus amigos lá foram falassem mais alto eu ia ter que carregar o celular na rua. Tinha um peso em cima daqueles 2% de bateria, só pode. Quando ela chegou tentei ligar pela primeira vez pro meu ex-namorado enquanto ela cheirava na minha frente. Sem sinal. O homem nem sorriu. Venham tomar café na minha casa, é aqui ao lado. Alguém insinuou não ser seguro e eu tive que rir. Pra não parecer muito louca contei que era estudante de História voltando de Alcântara. Ele me falou em tom sério que não se pode negar dormida, comida e paz. Paz. Paz? É! Já passei por muita coisa nessa vida. Me conta. Trabalhei um tempo no Afeganistão. Onde? Isso mesmo. O que o senhor fazia? Era algo com construção me contou, mas não lembro. Como parou lá? Às vezes a gente segue prum rumo e acaba noutro não é? Sim, sim, claro! Me contou triste, com o mesmo olhar de quem me viu dormindo na calçada, como sobreviveu naquele país e o desejo de voltar pra São Paulo. História boa! Nem tinha me ligado pro sotaque dele. Interior de São Paulo, favor não confundir com a capital! Sou humano e tranquilo. E Vitória do Mearim? Uma mulher. Me conta! Tava ficando tarde pra ele e eu já tava com vergonha de pegar o quarto pão, mas peguei. Ele levantou e chamou a menina dele. Veja essas pessoas filha, cuide delas como fez o bom samaritano. Ofereça banho que eu já volto com o almoço. Eu ia almoçar quando a carona chegou. Peguei a mochila, puxei minha amiga pelo braço e nos tacamos no ônibus da UFMA. Não olhei pra trás. Não lembro o nome do bom samaritano.


Arte: Atsushi Fukui

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